A Abóbora Menina
Teresa Lopes
Para a Inês,
que também um dia voará.
Brotara do solo fecundo de um quintal enorme, de uma semente que
mestre Crisolindo comprara na venda. Despontava por entre uns pés de couve e
mais algumas abóboras, umas suas irmãs, outras suas parentes mais afastadas.
Tratada com o devido esmero, adubada à maneira, depressa
cresceu e se tornou em bela moçoila, roliça e corada.
Os dias corriam serenos. Enquanto o sol brilhava, tudo era
calma naquele quintal. Sombra dos pés de couve, rega a horas devidas, nada
parecia faltar para que todos fossem felizes.
As suas conversas eram banais: falavam do tempo, de mestre Crisolindo
e nunca, mas nunca, do futuro que os aguardava.
Mas Abóbora Menina, em vez de se dar por satisfeita com a
vida que lhe havia sido reservada, vivia entristecida e os seus dias e as suas
noites eram passados a suspirar.
Desde muito cedo que a sua atenção se virara para as
borboletas de cores mil que bailavam sobre o quintal. E sempre que alguma
pousava perto de si, a conversa não era outra se não esta:
―Dizei-me, menina borboleta, como fazeis
para voar?
―Ora, menina abóbora, que quereis que vos
diga? Primeiro fui ovo
quase invisível, depois fui crisálida e depois, olhe, depois
alguém me pôs estas asas e assim voei.
―Como eu queria ser como vós e poder sair
daqui, ver outros
quintais.
―Que me conste, vós fostes semente e
vosso berço jaz debaixo desta terra negra e quente. Nunca por aí andamos,
minhas irmãs e eu.
A borboleta levantava voo e Abóbora Menina suspirava. E suspirava.
E de nada serviam os consolos de suas irmãs, nem o consolo dos pés de couve,
nem o consolo dos pés de alface que cresciam ali perto e que todas as conversas
ouviam.
Certo dia passou por aqueles lados uma borboleta mais viajada
e foi pousar mesmo em cima da abóbora. De novo a mesma conversa, os mesmos
suspiros.
Tanta pena causou a abóbora à borboleta, que esta acabou por
lhe confessar:
―Já
que tamanho é vosso desejo de voar e dado que asas nunca
podereis vir a ter, só vos resta uma solução: deixai-vos
levar pelo vento sul, que não tarda nada aí estará.
―Mas como? Não vedes que sou roliça? Não
vedes que tenho engordado desde que deixei de ser semente?
E a borboleta explicou à Abóbora Menina o que ela devia
fazer.
A única solução seria cortar com o forte laço que a ligava
àquela terra-mãe e deixar-se levar pelo vento.
Ele não tardaria, pois umas nuvens suas conhecidas assim lhe haviam
garantido. Mais adiantou a borboleta que daria uma palavrinha ao tal vento, por
sinal seu amigo e aconselhou todos os outros habitantes do quintal a
segurarem-se bem quando ele chegasse.
Ninguém gostou da ideia à exceção da nossa menina.
―Vamos perder-te! ― lamentavam-se as irmãs.
―Nunca mais te veremos. ― sussurravam os pés de alface.
―Acabarás por mirrar se te desprendes do
solo que te deu sustento. Mas a abóbora nada mais queria ouvir. E logo nessa
noite, quando todos dormiam, Abóbora Menina tanto se rebolou no chão, tantos esticões
deu ao cordão que lhe dera vida, que acabou por se soltar e assim permaneceu,
liberta, aguardando o vento sul com todos os sonhos que uma abóbora ainda
menina pode ter na sua cabeça.
Não esperou muito, a Abóbora Menina. Dois dias passados, logo
pela manhãzinha, o vento chegou. E com tal força, que a todos surpreendeu.
Mestre Crisolindo pegou na enxada e resguardou-se em casa. As
flores e as hortaliças, já prevenidas, agarraram-se ainda mais à terra.
Só a abóbora se alegrou e, peito rosado
aberto à tempestade, aguardou paciente a sorte que a esperava.
Quando um remoinho de vento pegou nela e a ergueu nos ares, qual
balão liberto das mãos de um menino, não sentiu nem medo, nem pena de partir.
―Adeus, minhas irmãs!... Adeus, meus
companheiros!...
―Até... um... dia!...
E voou direitinha ao céu sem fim!...
Para onde seguiu? Ninguém sabe.
Onde foi parar? Ninguém imagina.
Mas todos sabem, naquele quintal, que dali partiu, numa bela
tarde
de vento, a abóbora menina mais feliz
que algum dia poderá haver.
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Histórias Que Acabam Aqui
Texto:
Teresa Lopes
Ilustrações:Sara
Costa
Editor:Victor
Domingos
editor@arcosonline.com
Data
de edição:Abril de
2005
Edição:Este trabalho encontra-se registado nas entidades
competentes, tendo atribuídos números de ISBN e de Depósito Legal, sendo agora
a sua publicação e distribuição gratuita, sob a forma de e-book, efectuada com
a autorização do autor. É permitida a sua impressão e redistribuição em papel
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